terça-feira, 18 de agosto de 2009

Temporada OSESP - (Almeida Prado/A. Sauvage )



Claudio Cruz regente

J. A. Almeida Prado - Études sur Paris
Música para o Filme mudo de André Sauvage


Concerto da Orquestra Sinfônica do Estado de SP - (13/08/09)
Confesso que estava ansioso à respeito do concerto dessa semana. Já cheguei a tocar um Noturno de Almeida Prado no piano há muito tempo e gostei bastante. Para todos os ouvintes que dizem que música contemporânea é um lixo, eu sempre lhes conto minha experiência própria:



Na primeira vez que ouvi esse Noturno, resmunguei sem parar para minha professora "não vou tocar isso", "não entendi nada", "não tem sentido", "é um monte de nota jogada" e assim por diante (sim, eu já fui um anti-modernista musical! Meu passado me condena!rs), mas depois que comecei a estudá-lo, descobri muitos segredos na partitura, comecei a ouvir "vozes" diferentes (não, eu não sou louco, apenas estou me referindo à frases musicais), idéias novas, efeitos sonoros que nunca tinha ouvido antes, etc... Só sei que na 20ª vez que ouvia, já estava apaixonado pela obra e sentia um enorme prazer em executá-la.

Como a música contemporânea é MUITO mais complexa no ponto de vista auditivo do que as obras dos outros períodos musicais, não é nada fácil conseguir entender a obra ou as idéias dos compositores contemporâneos, então nunca saia de um concerto desses criticando a obra, pois com apenas uma audição é impossível absorver tudo que ela pretende nos proporcionar (e além disso é um ato "dummy" sem fundamento algum).

Muita gente me pergunta "O que fazer para curtir a música contemporânea?" Sem pensar, já respondo que primeiramente devemos ir ouvir o concerto de alma aberta, pois logicamente não será uma 5ª sinfonia de Beethoven ou algo do tipo, temos que estar prontos para ouvir coisas novas e, além disso, sempre temos que lembrar que toda a música, por mais que seja atonal, sempre tem um fundo de lógica e sentido, então não basta só "ouvir", o legal de música contemporânea é essa busca constante pela descoberta. (Por enquanto, só arrisco afirmar isso para obras contemporâneas de GRANDES compositores, como o caso de Almeida Prado.)

Enfim, esse tema é muito amplo e acho que mais para frente vou abrir uma sessão específica para discuti-lo. Para não perder o foco, vamos voltar ao concerto dessa semana...

Antes do concerto fui dar uma olhada no mezanino na sala de projeção e fiquei pasmo quando vi o tamanho do projetor. A cópia do projetor veio de Paris e como ele faz muuuito barulho a "sala de projeção" foi vedada para que não vazasse som da máquina.

Como é muito difícil a música e o filme saírem em total sincronia, a velocidade do filme é controlada pelo operador, que dependendo do momento pode adiantar ou atrasar a filme (adequando assim a velocidade de filme em relação à música).

Logicamente o "operador" não pode ser qualquer um, pois tem que saber muito de música. Para o concerto, foi chamado o maestro, professor e historiador Leandro Oliveira, que também é o anfitrião do projeto "Falando de Música" (Acontece todos os dias de concerto da OSESP, 1h e 15m antes do início).

O tamanho da tela de projeção era monumental! O concerto começou com as luzes do palco acesas e conforme os contrabaixos "aumentavam o suspense" com suas notas graves as luzes iam sumindo(até ficar apenas a pequena lampada individual em cada estante dos músicos).

Essa obra é uma bela composição de Almeida Prado, que retrata e resume praticamente toda a história da música erudita em uma partitura (Tema tonal, atonal, tempos simétricos, assimétricos, efeitos modernos, trilha sonoras, contrapontos, música renascentista, barroca, romântica, programática, moderna, francesa!! AAHH! Posso dizer que me diverti no concerto)! Em geral pretendo não falar muito sobre o filme em si e mais sobre a música (afinal, eu entendo música e não cinema! rs).

Já no começo dele senti uma grande influência da Música Incidental (Trilhas sonoras).
Não acontece sempre, mas é interessante reparar que em um primeiro momento, quando as fábricas apareceram, elas foram retratadas como "vilão misterioso" pela música de Almeida Prado (como se ele estivesse prevendo o futuro e conseqüências da Segunda Revolução Industrial Francesa no começo do sec.XX). Quando o "povo francês" é retratado, o ritmo também chegou a ficar um pouco assimétrico e "Stravinskyano", talvez tentando demonstrar a industrialização e a correria de uma grande metrópole.

A música de Almeida Prado não chega a ser totalmente descritiva, e como disse Lauro Machado "A correlação entre imagem e som [...] é sempre muito livre", mas apesar disso, acho que pequenas citações, e intensões no meio dessa música impressionista nos remete a uma incrível experiência auditiva e visual que apesar de não se representaram como um só, complementam-se!

Os primeiros solos da trompa junto com a harpa (quando o filme mostra o ambiente calmo das dos barco) foram muito bonitos e quando André Sauvage retrata o subterraneo da cidade por barcos até desembocar no rio Sena, a música se transforma em algo muito mais melódico. Almeida Prado também "brincou" muito com os efeitos de harmônicos das cordas. Em geral, esses efeitos orquestrais foram ricamente explorados por Prado e muito bem executados pela OSESP.

Engraçado ver as pessoas de Paris nessa época e alguns trabalhos que provavelmente nem existem mais hoje em dia (uma criança fazia a barba de um senhor no meio da rua!). Outra coisa que me chamou atenção foram as pequenas ruelas parisienses, que eram, muitas vezes, retratadas pela melodia francesa do acordeon em uma espécie de Valsa francesa.

Citações na obra de Almeida Prado é o que não falta! Eu posso estar ficando louco mas juro que ouvi citações do tema da lista de Schindler de John Willians (tema romântico tonal, clichê porém efetiva e "fácil de entender", feito a partir de simples ciclos de quintas com toda a orquestra..pena que a trompa não foi bem nesse solo), Debussy (efeitos sonoros), Ravel (Ouvi um tema parecido, mas não tenho certeza se era Ravel), Cancan de Offenbach (Um Paris mais alegre retratado pelo xilofone), melodias francesas (principalmente no acordeon e com o "quarteto de cordas"), Stravinsky (ritmos bem assimétricos e marcantes), obras renascentistas (coral de metais, cheio de quintas paralelas), obras barrocas (contrapontos e utilização do cravo), Música Incidental (Quando o cavalo entra em cena no filme, a percussão da orquestra faz uma espécie de "galope"), Valsas (apesar de atonal, retratou muito bem a realidade francesa), Tangos (Na parte solo do piano) AAHH!! genial!

Tiveram partes bem divertidas no decorrer do filme!
-Em certo momento, um cavalo estava à margem do rio preso pela rédea e a cheia do rio fez com que a água começasse a subir cada vez mais. Almeida Prado aproveitou dessa passagem do filme e fez uma música de extremo suspense, como se ela se perguntasse "Oh meu deus!! Será que o cavalo vai se afogar?!", o desfecho da passagem é o dono descuidado, que chega quando o cavalo estava quase submerso pela água e o salva (Almeida Prado aproveitou novamente e iniciou o tema do acordeão, bem divertido!).
-No filme apareceu, bem rapidamente, um carro com a marca Citröen, será que é por isso que Sauvage conseguiu terminar de editar esse filme? Bem que a Suzuky poderia ter o ajudado a terminar o seu último documentário na Asia não? rsrs [para que não entendeu minha ironia, leia o texto explicativo sobre o cineasta Andre Sauvage aqui]
-Em Saint Lazare naquela época, o trânsito estava tão catastrófico quanto a nossa 25 de Março aqui de SP hoje em dia! rs

O trompete fez belos solos com um espírito super "romântico". Uma coisa que estou até agora maravilhado com a obra e não consigo entender como Almeida Prado fez, é que em muitas passagens, meu ouvido direito acusava que o tema era "atonal", mas ao mesmo tempo a meu ouvido esquerdo acusava que o tema era "tonal". Fiquei abismado com isso! Ou eu estou ficando louco de vez, ou Almeida Prado é um gênio!!!

Claudio Cruz também fez um belo trabalho, regeu muito precisamente e parece que os músicos também gostaram bastante. (pelo que pude ver, não é NADA fácil reger aquela peça...). Parabéns aos músicos, maestro, compositor, cinemateca e todos os parceiros que participaram do projeto! Muito bom!


Abraço a todos,

John Blanch

4 comentários:

  1. To gostando muito de todos os posts , John! Não pare de escrever!
    Bea

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  2. Plaisir d' amour ne dure pas qu un moment,chagrant d amour dure toute la vie.....

    Olá,John...estava lá Plaisir d ámour e Edith Piaf...

    Gostei muito de seus comentários!
    Parabens!

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  3. John, seus comentários são ótimos, vejo que a adolescência burra que "pulula" no país esta salva em você.
    Depois dá uma visitada neste blog, no qual colaboro: http://pqpbach.opensadorselvagem.org/

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  4. Espero que tenha entendido o post acima, eu disse que graças à sua inteligencia, os adolescentes (na maioria muito tacanhos) estão salvos.

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