domingo, 16 de agosto de 2009

Nova Visão - Almeida Prado e Études sur Paris


----------------------------------A HISTÓRIA----------------------------------
Études sur Paris - Música para o Filme mudo de André Sauvage
Em homenagem ao Ano da França no Brasil, a Osesp e a Cinemateca Brasileira participam da 3ª Jornada Brasileira de Cinema Silencioso. A idéia de chamar Almeida Prado para compor uma música especialmente para o filme mudo "Études sur Paris", do cineasta francês André Sauvage foi do maestro John Neschling.



Imagina que incrível ter a oportunidade de ouvir um concerto da Osesp enquanto um telão projeta um filme que mostra pela primeira vez no Brasil um pouco da realidade parisiense no começo do sec.XX!!

A Música e o Cinema
O tipo de música que serve de apoio para alguma narrativa (seja ela cinema, teatro, poesia, ou qualquer outro tipo de arte), é chamada de Música Incidental. É importante lembrar que os laços matrimoniais entre o cinema e a música são muito antigos.

No fim do século, os irmãos franceses Clóvis e Auguste Lumière, respectivamente um físico e um químico criaram o cinema. Essa nova "arte" foi primeiramente apenas um experimento que começou a ganhar força a partir do sec. XX.

Naquele tempo, os filmes não tinham áudio, mas a necessidade da música no cinema é tão grande, que nem o cinema mudo conseguiu ser totalmente mudo. Faltava algo para despertar ou intensificar a emoção do público, e a resposta não podia ser mais simples: a música. Nenhuma outra forma de arte é tão eficiente e rápida quando se quer mexer com os sentimentos de alguém, com a vantagem adicional de ser uma linguagem universal.

Essa nova idéia foi a responsável pela criação de uma ramificação da Música Incidental, conhecida hoje em dia como "Trilha Sonora" (soundtrack).

Muitos musicólogos acreditam que essa ramificação da música incidental foi criada em 1908 por Camille Saint-Saëns, que pela primeira vez criou uma partitura especialmente para o filme de 18 minutos "O Assassinato do Duque de Guise" (naquela época era considerado como um super longa-metragem!)

Apenas em 1926 a música deixou de ser tocada ao vivo. Foi o ano que surgiu uma tecnologia chamada Vitaphone, patrocinada pelos irmãos Warner. Era um aparelho que incluía um projetor e um toca discos, este funcionando em sincronia ao filme. A primeira demonstração do cinema falado é considerada O Cantor de Jazz (1927), no qual era possível, pela primeira vez, ouvir alguém falar e cantar.

Nos anos 50, a trilha sonora passou a perder espaço as "canções" que nós conhecemos hoje em dia, que serviam como uma nova grande ferramenta comercial.

Existiam também muitas profissões que acabaram sendo extintas com o passar do tempo. Ernesto Nazareth, por exemplo, fazia leitura à primeira vista de partituras no cinema Odeon (Já que na época as gravações não eram comuns, ele tocava a obra para que o público pudesse conhecer a partitura e resolver se queria compra-la). Muitos pianistas também improvisavam músicas enquanto os filmes passavam.

André Sauvage - Cineasta Francês

André Sauvage nasceu em 1891 e chegou a fazer 4 documentários de longa duração em sua vida. O 1º era sobre uma "excursão" na montanha. O 2º era um retrato da Grécia, o 3º era sobre a vida em Paris e o 4º era sobre a Ásia (mas nunca foi terminado).

O "documentário mudo" sobre Paris "Études sur Paris", foi feito em 1928 destacando o desenvolvimento industrial do período entre as guerras na França e retratando os bairros da cidade (tanto centrais como periféricos). O filme tem a duração de 76 minutos tem alguns efeitos de luz que podem até ser considerados como sofisticado para a época.

Já no fim de sua vida, Sauvage resolveu fazer um documentário sobre a Ásia, mas nunca foi terminado pois ele passou por dificuldades financeiras e teve que entregar seu trabalho para outro diretor terminar, isso o deixou tão abatido que resolveu virar agrônomo e nunca mais fez nada ligado ao cinema.

Almeida Prado - O desafio
O compositor santista José Antônio Almeida Prado nasceu em 1943 e é considerado como um dos maiores compositores brasileiros ainda vivos. Por ser também um grande pianista, demonstra em suas criações para o piano um conhecimento privilegiado dos recursos do instrumento, surpreendendo-nos a todo instante com novas soluções.

No ano passado, o compositor recebeu um novo desafio: Compor em menos de 4 meses uma uma ilustração sonora de 76 minutos para o filme de André Sauvage "Études sur Paris".

Em seu texto de apresentação, Almeida Prado diz que achou que era impossível e quase desistiu, mas que ao pensar nos inúmeros e talentosos compositores franceses sentiu-se inspirado a aceitar o desafio e embarcar nessa aventura.

Por incrível que pareça, Almeida Prado conseguiu compor o som de Paris! O tema tão parisiense aparece inúmeras vezes, ora no acordeão, ora no trompete solo, no trombone, etc.

Além disso um tema lírico do século XVIII, de Giovanni Martini, o Plaisir d"Amour, o levou a elaborar cinco variações pós-barrocas para cravo e cordas mas sempre sugerindo o clima de Paris, sobretudo dos anos 20 do século passado.

Até Igor Stravinsky apareceu na sua obra, num tango rítmico, ao qual o compositor deu o nome de Tango Place Chatelet(Somente para piano solo).

Almeida Prado chegou a estudar composição com Oliver Messian na França, onde viveu por muitos anos e teve um relação muito particular com o país. Talvez seja esse o motivo de Almeida Prado criou essa obra tão genial que ouviremos essa semana. O filme parece ganhar vida com a música de Almeida Prado.

E não pense que a escuta da obra é monótona, Études sur Paris de Almeida Prado utiliza tudo que a música clássica pode oferecer: discursos atonais, tonais, modais, politonais, música com caráter renascentista, barroca, romântica...ahh...tem de tudo!

Se você ainda é chatinho e acha que a música contemporânea é muito difícil de ser "compreendida", não é desculpa, pois além da música você terá a chance de assistir o filme de André Sauvage. Talvez sem o filme a música fosse um pouco mais difícil de ouvir, mas nem por isso ela deixa de ser interessante. Aconselho a todos a conhece-la!! É incrível!!

Para fechar com chave de ouro uma declaração do compositor:
"Esta obra dedico à memória de Nadia Boulanger e Oliver Messian, meus grandes mestres em Paris. Mestres geniais! E à Cidade Luz, Paris, pelo fascínio que ela exerce até hoje em minha inspiração, em minha fantasia! Amo Paris!" (Almeida Prado)

Um abraço a todos,

John Blanch

6 comentários:

  1. Acho que não sou tão chatinho, pois tenho diversos cds com obras de Almeida Prado, mas ainda não ouvi essa aí que voce citou,
    Será que já tem em CD?
    Voce assistiu a performance, ou ainda não foi executada?

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  2. hahaha
    Ela foi executada essa semana, foi a primeira audição mundial, não tenho certeza se ela foi gravada.

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  3. Parabéns pelo texto, John!
    Na parte de cinema, algumas observações: o que se conhece popularmente por trilha sonora ou soundtrack é, em uma linguagem mais específica, chamado de trilha musical. A trilha sonora engloba TODOS os sons que acompanham um filme, incluindo aí vozes, sons ambientes, ruídos de sala (passos, talheres batendo, essas coisas) e algumas outras categorias.

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  4. Quanto à música incidental para cinema de Saint-Saëns, é interessante observar as circunstâncias que levaram à sua composição: nessa época, o cinema não tinha muito mais que 13 anos de idade (a "oficial" primeira sessão de cinema, dos irmãos Lumiére, foi em 1895) e era uma forma de entretenimento voltada para as classes baixas urbanas, como os operários. As produtoras notaram que, para tornar seu negócio sustentável a longo prazo, precisariam atingir outro público: a burguesia (que tinha horror às salas escuras, úmidas e mal-cheirosas onde eram exibidos os filmes). Para isso, além de reformar salas, era necessário transoformar o conteúdo dos filmes. Dessa forma, as gags, perseguições, etc... foram susbstituídas, em grande parte, por pretensas adaptações de melodramas conhecidos do século XIX. O melodrama é um gênero teatral tipicamente burguês, surgido na França logo após a Revolução como forma de contraposição da nova classe dominante ao teatro clássico da velha burguesia. E é aí que se insere O Assassinato do Duque de Guise. Os atores foram emprestados da Comédie Française (que já era tradicional e antiga naquela época), os cenários eram suntuosos, a técnica era avançada (para aquele tempo) e a música foi composta por Saint-Saëns, compositor renomado de facílima audição e avesso a tendências mais modernas que pudessem fazer com que o público estranhasse. Hoje o filme parece bobo (e mesmo à época, perto do que se fazia no teatro, não era grande coisa), mas vale a pena dar uma olhada.

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  5. Por fim, comentário pessoal: que raiva que não consegui ver esse filme/concerto! É tão raro a OSESP executar obras de gente viva (e acho que mais raro agora sem o Neschling)... Ia ser legal se executassem essa obra de novo, mas sei que isso só vai acontecer daqui a um século e meio, SE acontecer.

    Enfim... Espero que este comentário tenha sido interessante. Acho que os dados estão bastante corretos, mas não conferi bibliografias, então quem repassar a informação estará confiando na minha memória.

    Caio Z.

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