sábado, 8 de agosto de 2009

Nova Visão - Rachamninoff e o Concerto n.4

----------------------------------A HISTÓRIA----------------------------------
Concerto para piano n.4 (op.40) em Sol menor
Pouco depois da Revolução de Outubro, ainda na segunda parte da Revolução Russa de 1917 (que levou a Rússia a iniciar um processo que a distanciaria do resto do continente), o compositor russo Sergei Rachmaninoff (1873 – 1943) aproveitou a sua turnê de concertos pela Suécia para fugir e abandonar o seu país.



Muitos musicólogos estabelecem que o período criativo das composições de Rachmaninoff terminou quando ele fugiu e foi exilado da Rússia, por se associar a um movimento anticomunista.

Rachmaninoff acabou indo morar, em 1918, nos Estados Unidos. Já que estava sem muito dinheiro e contava apenas com sua família e seu talento, foi preciso parar de compor e fazer uma série de turnês como concertista (pianista) para arrecadar algum dinheiro (Rachmaninoff era considerado, em sua época, um dos virtuoses mais brilhantes que o mundo já teve após Franz Liszt).

Foi só em 1926 que Rachmaninoff sentiu-se seguro o suficiente para acabar com as turnês e começar a compor novamente.
Influenciado pela música americana e pelo projeto de música moderna, ele terminou de compor sua primeira obra “pós-exílio” em 1926: o Concerto para piano n.4, que chegou a ser considerado por alguns musicólogos da atualidade como o “patinho feio” dos concertos para piano.

Seja pelas “falhas estruturais” da obra, pela rítmica assimétrica que nos faz lembrar de Bela Bartok, pela falta de melodias memoráveis, ou pelos elementos harmônicos pouco tradicionais, Rachmaninoff nunca chegou ficar totalmente satisfeito com sua composição e sempre revisava e reescrevia partes do concerto. (tirava um compasso, colocava outro, mudava a ordem etc..).

Devido a complexidade da obra, o concerto nunca ganhou muita “popularidade” entre o público em geral. Como eu sou pianista, acho suspeito dar minha opinião sobre a obra, mas de qualquer maneira, eu amo esse concerto de Rachmaninoff e acho que o seu charme é exatamente essa sua complexidade, que no fundo, tem seu brilho de genialidade! Não consigo entender porque ele é considerado tão inferior que os outros concertos.

É interessante lembrar que em 1931, as autoridades russas proibiram a reprodução das músicas de Rachmaninoff naquele país por considerá-la perigosa e burguesa. Apenas após a sua morte que a sua obra entrou nos círculos musicas soviéticos, graças ao movimento para recuperar a obra de Rachmaninoff como parte do patrimônio russo.

O compositor morreu em 1943 na California, alguns dias antes do seu 70ºaniversário. Nas últimas horas de vida, ele insistia que estava ouvindo alguma música perto de onde estava e após ser repetidamente avisado que só ele estava ouvindo isso e ninguém nas proximidades estava tocando instrumentos, ele acabou dizendo: “então está na minha cabeça”.

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---------------------------------A MÚSICA---------------------------------
Algo que sempre admirei muito na obra para piano e orquestra de Rachmaninoff é a maneira como ele escreve...o piano e a orquestra sempre se complementam e parecem ser um só, em um equilíbrio que raramente encontro em outros compositores (Ex: repare os concertos de Chopin, eles são maravilhosos, mas a orquestra faz papel de acompanhamento e quase nunca existe diálogo entre piano e orquestra).

Sendo essa obra a primeira feita "pós-exílio", vou analisa-la de uma forma diferente. Logicamente que essa não é uma peça programática ou algo do tipo, mas sempre acho que existe um significado muito maior e mais profundo por trás de cada nota.

PRIMEIRO MOVIMENTO
(00:15)A abertura do concerto, em que a orquestra começa com um crescendo preparando para o grande coral do solista, é algo bem característico de Rachmaninoff e a primeira melodia feita pelo piano tem uma rítmica relativamente assimétrica que com certeza já mexe com a cabeça do ouvinte. Reparem como o acompanhamento dos sopros criam um efeito incrível de continuidade, como uma espécie de eco.

(2:20)Eu considero o primeiro solo do piano como um lamento, que talvez seja o próprio reflexo da situação de Rachmaninoff naquele momento: exilado de seu próprio pais, onde ninguém deu o verdadeiro valor que suas criações mereciam. Um pequeno monólogo onde ele se questiona, "porque?" "O que fiz para merecer isso?" (*Importante destacar que essa é minha interpretação,bem particular, à respeito da obra)

(03:09)No momento em que a melodia que estava em Sol menor se transforma em Sol Maior (homônima), a impressão que tenho é a de Rachmaninoff está lembrando do seu passado no seu país, que apesar dos problemas da época, já foi melhor.

(03:48) O ambiente muda drasticamente e se torna em algo mais trágico, movimentado. É como se Rachmaninoff estivesse voltando a realidade. Essa passagem serve como uma especie de introdução para o próximo tema (que é maravilhoso!)

(04:19) Esse tema, relativamente "difícil" de ser compreendido e que pode ser considerado "picotado" de certa maneira, dá início a um outro momento do movimento, muito mais sério e introspectivo.

(5:12)Essa idéia de seriedade é complementada por um motivo musical que toda vez me emociono ouvindo. Os acordes trágicos vão crescendo e ficando mais agitados e dramáticos a cada compasso. Sabe aquela sensação de raiva que toma conta de você por dentro e vai remoendo seus órgãos até chegar um momento e você não agüenta segurar mais e resolve "soltar" tudo para fora? Então, é essa a sensação que tenho quando ouço e o momento auge do movimento(06:51), é onde tudo parece explodir em um grandioso e maravilhoso motivo cromático.

(07:27) Se alguem já passou por isso que disse acima, sabe que depois de uma grande "explosão de raiva", passamos por uma sensação muitogratificante de alívio e tranqüilidade. Essa sensação é representada com o diálogo entre os instrumentos de sopro, que são acompanhados pelo piano.

Novamente o movimento fecha com o mesmo solo feito primeiramente pelo coral do solista, só que tocada pelos violinos.

SEGUNDO MOVIMENTO
O segundo movimento começa com uma pequena introdução do piano e em seguida da orquestra, que nos leva a um monólogo de pouquíssimas notas do piano, que conseqüentemente retrata um ambiente puro completamente diferente...é como se estivéssemos em outra dimensão...algo muito maior do que podemos imaginar.

Esse movimento em forma de marcha fúnebre representa para mim uma visão das conseqüências de uma guerra (no caso, da revolução russa), só que de maneira muito mais espiritualizada e introspectiva.

(04:02)Quando a orquestra faz o seu fortíssimo junto aos graves do piano, eu considero como o retrato de uma crueldade que é seguida de um monólogo sereno do piano e a marcha fúnebre novamente.

(05:50)É interessante ver o espírito ultra-romântico pela primeira vez na obra (Rachmaninoff, em muitas de suas obras, teve influências de compositores do romantismo russo como Tchaikovsky, que é claramente visto nessa passagem)

TERCEIRO MOVIMENTO
O terceiro movimento é com certeza o mais querido do público, pois além do seu começo ser facilmente compreendido, demonstra uma habilidade absurda do pianista. (o público normalmente se deleita em ver os dedos do pianista voando sobre as teclas brancas e pretas do piano...rs)

(06:43) novamente o mesmo "motivo" da orquestra que faz um grande crescendo ascendente e ocorreu no primeiro movimento. Como já disse...é muito comum na obra de Rachmaninoff e bem característico.

Ele é, a meu ver, o movimento mais moderno de todos (no começo não parece, mas depois fica muito mais complexo) e seu final grandioso com certeza faz o público saltar de suas cadeiras e gritar bravos e mais bravos, afinal, o pianista quase destruiu seus dedos executando a obra! rs

--------------------------CURIOSIDADES---------------------------
Rachmaninoff é considerado por alguns como um dos maiores pianistas de todos os tempos. Ele tinha uma enorme facilidade técnica e rítmica e devido a sua altura (1,98) tinha mãos gigantescas que alcançavam um intervalo de uma 13ª no piano (o sonho de qualquer pianista)

Quem tiver interesse, existem algumas gravações de Rachmaninoff executando obras de Chopin aqui ou executando suas próprias obras aqui


Abraço a todos,

John Blanch
(Twitter / Formspring / Site / Email)

5 comentários:

  1. Caríssimo John Blanch. Impressionante sua maturidade, não só musical como cultural e psicológica, dada a sua idade de 16 anos. Seu blog é um achado precioso e um tesouro para os apreciadores e entendidos da música clássica (genericamente falando, para evitar o pedantismo do termo "erudita"). Sua apreciação deste concerto, por exemplo, é altamente pertinente, arguta e perspicaz, revelando uma apreensão das nuances musicais e psicológicas do autor em cada frase musical. Congratulações, sucesso e felicidade em sua carreira e sua vida. Um grande abraço, em testemunho de minha admiração por sua pessoa e grande respeito por seu trabalho artístico e crítico, que espero também poder traduzir em uma sincera amizade.
    Apenas uma questão: são suas as interpretações apresentadas?
    Pelo valor de sua arte, incito-o a enveredar pela composição, não se preocupando em ser original e nem em criar nova escola, como não o foi Rachmaninoff, nem Sibélius, nem Richard Strauss, nem Brahms, nem Cézar Franck, nem Tchaikowsky, nem Glasunov, nem mesmo Bach, Mozart e Beethoven. Mas que estão entre os grandes da música, certamente que não se duvida.

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  2. Meu filho é uma pessoa especial. Me lembro dele, bem pequeno, já com seus 9, 10 anos enlouquecido por musica.
    Como pai, me sinto presenteado por Deus, por ter um filho músico, que com sua sabedoria e sua inteligência, me enche de alegria. Filho : Seja feliz com a sua música e traga para meus netos a sua sabedoria, etica e se amor por aquilo que vc conquistou. Teu pai, que te ama muito!
    Otavio Mesquita

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  3. Excelente comentário John.
    Adoro os concertos de Chopin, mas os de Rachmaninoff para mim, são o " auge da beleza musical", nada se compara às suas melodias.
    Parabéns!
    Rita

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  4. Interessante sua análise, parabéns!
    Realmente eu sempre me interessei mais pelos Concertos 2 e 3, além da Rapsódia. Gosto do 1 também.
    O fato é que passei a admirar extremamente o n. 4 de uns 4 anos para cá, depois de ouvir por dois brasileiros: Nelson Freire e Diana Kacso, sendo que a última o estudou em minha casa.
    É um concerto incrível.
    Um abraço

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  5. Que bela análise!
    Na certa, Rachmaninoff, se não ficou de todo contente, ficou muito satisfeito com a sua sensibilidade e atenção.
    Comecei na música por causa dele e o seu Rach 3...
    Mas o vejo tão esquecido aqui no Brasil.
    No meu estado (Bahia) nos temos uma orquestra sinfônica a OSBA e outras duas "orquestras escolas", mas nunca vi nada do Rach ou de Liszt por exemplo.
    Pena, você já mora na França...
    Será que nosso país vai, ao pouco, esquecer a música erudita?

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