quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Nova Visão - Kurt Weill e a Sinfonia nº 2


----------------------------------A HISTÓRIA----------------------------------
Kurt Weill e a Sinfonia n.2
O compositor alemão Kurt Weill (1900 - 1950) chegou a compor ballets, concertos e sinfonias, mas acabou sendo muito mais conhecido por suas composições para o teatro musical. Como ele foi criado em uma família religiosa judaica com pai cantor, aos 15 anos de idade já trabalhava como pianista correpetidor em teatros e decidiu dedicar-se quase que exclusivamente ao teatro musical.



Em suas composições, Weill mistura tanto a tradição folclórica alemã, quanto melodias, harmonias, ritmos e cores orquestrais muito particulares. Geralmente elas demonstram uma certa “preocupação” com a justiça social com um conteúdo político muito explosivo.

No fim de 1920, Weill teve uma entrevista com o grande compositor italiano Ferruccio Busoni e aproveitou a ocasião para mostrar suas composições (entre elas a 1ª sinfonia). Após examina-las, Busoni o aceitou como um de seus 5 alunos de composição na academia de Berlim. Weill teve assim, uma grande oportunidade de ter um maior contato com a modernidade.

Sua música para teatro já era muito popular no começo de 1930 e sua composição era admirada por compositores como Alban Berg, Zemlinsky, Darius Milhaud e Stravinsky (embora criticado por outros como Shoenberg e Webern) PS: shoeberg trocou de opinião mais tarde

Nas vésperas da vitória nazista na Alemanha, Weill colaborou com o poeta-dramaturgo Bertolt Brecht e compôs uma obra que serviu de arma para fazer “ataques camuflados” sobre a situação atual das atitudes da sociedade e sobre os políticos corruptos. A música de Weill encaixou-se perfeitamente com textos pessimistas de Brecht, mas em compensação teve uma repercussão explosiva que chamou muito a atenção do nazismo emergente!

Apesar de seu trabalho com Brecht fazer com que Weill fosse conhecido por toda Europa, ele acabou sendo vítima das autoridades nazistas na década de 30. Como ele era um destacado e popular compositor judaico, o Partido Nacional Socialista e as autoridades nazistas fizeram de tudo para prejudicar sua obra (criticavam-a publicamente, degradavam-a, humilhavam-a chamando-a de "música degenerada" e até interferiam em suas execuções nos teatros e salas de concerto). O compositor não teve outra opção a não ser deixar a Alemanha, liderada pelo nazismo, e acabou exilando-se, em 1933, na França. [PS: também comentei sobre essa interferência nazista no post “nova visão” de Hindemitch e Bártok) ]

Weill acreditava que a maioria da sua obra tinha sido destruída pelos nazistas, então prometeu jamais falar ou escrever em alemão novamente! (com exceção de algumas cartas para seus pais, que estavam foragidos em Israel)

A Sinfonia n.2 foi encomendada pela Princesa Edmond de Polignac e sua composição teve de ser interrompida em Março de 1933(devido à sua fuga da Alemanha para a França) e só foi terminada em Louveciennes (perto de Paris) em fevereiro de 1934.

A primeira apresentação pública da Sinfonia foi regida, em 1934, por Bruno Walter. O público ficou entusiasmado com a composição, mas a imprensa (achando que Weill deveria continuar a compor especificamente música para teatro) fez como os nazistas e publicaram críticas negativas tão grosseiras e severas que Weill nunca mais ousou compor algo que não fosse para teatro, fazendo dessa sinfonia, sua última obra sinfônica. Apesar de tudo isso, a sua sinfonia n.2 foi executada muitas vezes sob a regência de Bruno Walter antes da 2ª guerra mundial, mas depois "caiu no esquecimento" e só foi revivida e publicada em 1966.

Ao contrário de sua 1ª Sinfonia, que se tratava sobre as condições humanas do séc.XX, a Sinfonia n.2 não possui nenhum "programa explícito". Weill chegou a dizer que a música era “concebida como uma forma puramente musical ” e a chamou de "Fantasia Sinfônica".
PS:Será mesmo que ele foi totalmente honesto em dizer que sua música não tinha nada de "programática"?? (A resposta está na analise auditiva da obra, no fim do post)

Nessa sinfonia podemos ver claramente a influência do teatro (uma música intensa, dramática e cheia de significado) e do romantismo/expressionismo (melodias extremamente poéticas que beiram a tonalidade e atonalidade). A música é muito acessível e fácil e relativo entendimento ao público.

Os americanos ligados à música, teatro e ópera, naquela época(1934), já tinham ouvido falar da “música inovadora” desse compositor alemão e quando Kurt Weill foi para os EUA no ano seguinte (1935) ele teve a chance de compor sofisticados musicais para a Brodway, em que ele empregava com uma grande facilidade as avançadas técnicas musicais da época, incluindo politonalidade, ritmos múltiplos, combinação do idioma da musica popular americana e o jazz!

Weill esforçou-se para encontrar uma nova maneira de compor uma ópera americana (que conseguisse ser comercialmente e artisticamente um sucesso). Weill também estava ativo em movimentos políticos que incentivavam a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial, e quando a América aderiu à guerra em 1941 ele colaborou entusiasticamente em numerosos projetos artísticos para apoiar os esforços da guerra, tanto no estrangeiro quanto no local.

Devido ao seu grande sucesso e influência nos EUA (Weill também chegou a fazer um estudo sobre músicas populares do teatro americano) Weill virou cidadão americano em 1943 e alguns anos mais tarde, antes de seu 50ºaniversário (1950), morreu de um ataque do coração em Nova York.

CURIOSIDADES
-Vocês sabiam que a música de Chico Buarque "A Ópera do Malandro" foi inspirada em Kurt Weill?
-Sua música já foi gravada por diversos interpretes, desde The Dorrs, Judy Collins, e Lou Reed até a Opera Metropolitana de Nova York e a Orquestra Sinfonica da Radio de vienna.
-Vocês sabiam que por dificuldades financeira, Weill teve que ensinar teoria musical e composição para alunos particulares de 1923 a 1925? E adivinha quem foi um de seus alunos? Claurio Arrau!
-Weill também compôs uma música para um filme de Fritz Lang (you and me, 1938)

PARA REFLETIR
Antes desse concerto da OSESP vocês conheciam o nome desse compositor alemão? Já ouviram alguma obra dele apresentada aqui no Brasil? Porque será que apesar de Weill ser um exímio compositor, seu nome é pouco "conhecido" no repertório sinfônico convencional das salas de concerto?

A interferência Nazista e Socialista em compositores como Kurt Weill com certeza fez com que depois da guerra pouco se falasse nesses ícones da música de raízes judaicas e com o passar dos anos esses compositores fossem caindo no esquecimento! É ao mesmo tempo "repugnante" e "incrível" ver como a influência do Partido Nacional Socialista e Nazista reflete nos dia de hoje prejudicando esses gênios "desconhecidos" da música erudita...

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mov.1
mov.2
mov.3
---------------------------------A MÚSICA---------------------------------
Na primeira vez que ouvi essa sinfonia, não dei a atenção necessária à ela e até cheguei a achá-la "estranha". Fazendo esse texto e ouvindo a obra muitas e muitas vezes passei a entender as idéias musicais, que primeiramente pareciam “incompletas” e aos poucos foram ficando lógicas. (É o que eu sempre digo, para dizer que não gosta de alguma obra é necessário ouvir no mínimo umas 500 vezes).

O compositor moldou o cromatismo expressionista das primeiras obras atonais de Mahler e o transformou em algo muito particular. A música varia muito harmonicamente e em todo seu decorrer, conserva uma grande tensão.

1º MOVIMENTO
Sostenuto (00:00)- Os acordes iniciais feitos pelas cordas e depois reforçados pelo clarinete e outros instrumentos podem até parecer "um bicho de sete cabeças" por alguns e tenho que concordar que ela não é muito fácil de ser compreendida (pois além de começar com anacruse, o tempo não é bem definido), mas acredito que essa introdução é a chave para o entendimento de toda a Sinfonia.

Repare que ao decorrer do movimento existem diversos motivos que têm como base esse rítmico marcante (não necessariamente sempre executando as 4 Semicolcheias no último tempo do compasso, mas em geral como uma espécie de “anacruse”).

(00:44) O sostenuto é seguido de um belo solo da trompete que é considerado por muitos musicólogos como uma influência da Balada de Cabaré.

Allegro- é muito intenso e possui dois principais momentos: O extremamente enérgico (1:22), e o extremamente romântico (1:58).
[Sei que existem também outros momentos interessantes, com stacattos (3:33) ou também com nota pedal(4:30), mas considero-as como simples passagens transitórias de um momento ao outro, que fazem o papel de "desenvolvimento" do 1º movimento].

As três diferentes melodias do "momento romântico" são muito cativantes e memoráveis possivelmente devido a suas“suspensões”, "apogiaturas" e "notas de passagens acentuadas" que dão um charme especial para a melodia.

(3:55)A segunda melodia do "momento romântico" é um pouco mais “andada” e, de certa maneira, mais trágica. Considero-a até mais bonita do que o 1º tema do "momento romântico, pois além de possuir a característica cativante, ela forma uma conversa entre os instrumentos de sopro e a trompa, "brincando" com seus efeitos timbrísticos!

(6:00)O reprise variado do Allegro volta muito mais cheio de tensão em seu momento enérgico e melancólico em seu momento mais românticos (porém dessa vez o 1º tema é feito pela flauta).

(7:27)O terceiro e último "tema romântico" possui um efeito sonoro genial que chamou muito minha atenção. Enquanto o tema é feito pelo clarinete e desenvolvido pelos trompetes, os violinos fazem um acompanhamento rítmico formado por 7 notas rápidas em stacatto, fazendo com que o arco "pule" entre as cordas, criando um efeito bem característico.

Esse tema romântico junto à marcação enérgica dos violinos fazem desse allegro a união entre os dois grandes momentos da obra fechando o movimento de uma maneira incrível e genial!


2º MOVIMENTO

Largo – (00:00)O começo do movimento, em tonalidade maior, a meu ver não é muito “chamativo” e por mais que eu o ouça, ainda não consigo ficar “encantado” com sua melodia. É curioso, pois a mesma melodia reduzida à flautas, cello e fagote (1:04) encanta-me profundamente!

O segundo movimento é marcado também pelo belo solo do trombone (1:44) desenvolvido pelas cordas (2:20), e uma coisa que não posso deixar de comentar é que novamente ele usa um tema romântico com o acompanhamento bem rítmico e marcante do Sostenuto do primeiro movimento!!

Weill dizia que a sua música era puramente musical e não tinha nenhum "programa", mas eu acho que essa afirmação é muito duvidosa. É óbvio que se ele tivesse feito uma música como forma de protesto ele jamais diria isso publicamente, afinal, ele provavelmente seria perseguido e até morto por ir contra o nazismo emergente (ele era JUDEU e morava na ALEMANHA!). Além disso reparem em minha analise a seguir:

Aos poucos o movimento vai se tornando mais trágico e intenso até o imperial anúncio dos metais (2:56), que introduzem uma espécie de marcha fúnebre cheio de dissonâncias (3:26) que a meu ver é uma representação da Stechschritt nazista (SS) e do Gestapo. A entrada da percussão me faz ainda mais comprovar essa idéia (4:02). [Na gravação não se ouve muito bem a percussão, mas ao vivo é algo incrível! Fiquei emocionado nessa passagem e quase pude que sentir na pele, mesmo que por um breve momento, o sentimento de ódio e desaprovação de Weill em relação à realidade e injustiça da época!]

A música vai crescendo a cada compasso e chegando ao apse (5:00 e 5:10), porém vai sumindo aos poucos. Tenho a impressão que Weill está lamentando-se e tentando dizer através da música, que apesar de todo o protesto que se faça (representado pelos temas das cordas), ele deve “cair na real” e perceber que nada adiantaria ficar lutando contra isso já que os nazistas e o PSN faziam questão de “destruir” opositores.(representado pela desilusão no decrescendo das cordas)
PS:Vamos deixar claro: esse é meu ponto de vista pessoal à respeito da obra!
Ah!! E não podemos esquecer dos lindos solos da flauta (7:34) no fim do movimento!

3º MOVIMENTO
Se mesmo depois de ler o resumo da biografia de Weill, situar-se no momento histórico da composição da sinfonia, ler minha opinião à respeito disso e a minha analise do 2º movimento da Sinfonia, você ainda não acredita que essa música seja uma forma de protesto "camuflado/oculto" do compositor contra o Nazismo, pode ter certeza que você vai ficar pasmo com o último movimento!

O 3º movimento é incrível e depois de estudá-lo fiquei tão apaixonado por ele que sem dúvidas, entrou para a minha lista dos favoritos!!(talvez seja porque decifrei algumas coisas e as interpretei de uma maneira que a tornou muito mais interessante tanto no ponto de vista musical, quanto histórico:

Reparem que ele começa com um curioso “cochicho” das cordas (A notícia de que um movimento revolucionário espalhava-se?(00:00) que passa para um divertido tema dos sopros (representação de um povo inocente? (00:09) e esse tema dos sopros é interrompido agressivamente pela entrada majestosa e grandiosa do tutti orquestral junto à percussão (O vilão surpreende a todos? Nazistas?Pogrons?Gestapo? (00:35). A melhor parte e a mais interessante: O tema violento é interrompido por um "grito de socorro" triunfal de um tema com melodias claramente JUDAICAS!!(00:54) (Pesquisei musicas judaicas e vi que elas normalmente acentuam o tempo fraco criando essa melodia bem característica.)

Para ver um exemplo de música judaica clique aqui.

A impressão que tenho é a de que essa é uma sinfonia TOTALMENTE programática, que do começo ao fim faz paródias ao Nazismo (É óbvio que esse foi possivelmente um dos motivos pelos quais a obra foi tão criticada pela mídia influenciada pelo nazismo emergente!!)

Depois dessa pequena descoberta que me deixou extasiado prefiro não comentar mais sobre final da obra e deixar a imaginação dela com vocês, o mais difícil eu já fiz...agora tentem ouvir a obra novamente, com outros ouvidos, tentando imaginar e descobrir mais traços ocultos na obra!

Abraço a todos,

John Blanch
(Twitter / Formspring / Site / Email)

2 comentários:

  1. Muito boa a descoberta da música judaica!! Se isso for fato, realmente não restam dúvidas de que a música tem muito de protesto por trás!!! Gostei muito do seu post pq é difícil encontrar fonte de pesquisa sobre o Weill. Bjs! Bea

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  2. Kurt Weill podia dizer que esta sinfonia não era programática, até mesmo por precaução contra a vigilância ideológica nazista.
    Só que os verdadeiros artistas tendem a expressar as suas percepções de mundo de forma (até mesmo) inconsciente.
    É evidente que alguém que foi tão perseguido quanto ele não ia deixar de comentar musicalmente o que pensava de tal perseguição.
    Isto é inato ao ser humano criativo.
    Eu não sabia que a perseguição tinha sido tão feroz, como descrito aqui; só sabia que ele tinha sido forçado a emigrar para os EUA por causa da ascensão do nazismo.
    Aliás, isto seria um ótimo tema para um filme, mas não de Hollywood.
    Mais uma vez o meu muito obrigado pelo seu excelente trabalho: se mais pessoas se dispusessem a isto, maior seria a divulgação da cultura dita "erudita", aqui no Brasil.

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